A EQUIPA DE EDGAR MORIN E OS SÁBIOS DE RABO NA BOCA (*)
[(*) Este texto de Afonso Cautela, 5 estrelas, acho que ficou inédito, mas espanta-me que, em 1973, há trinta anos, já tivesse esta lata de chamar nomes aos senhores cientistas. ]
21-1-1973 - Sem perder o carácter de proliferação cancerígena que caracteriza o Sistema, as doenças do Sistema, os mitos, vícios, manias e alibis do Sistema, as " ciências humanas " estão a produzir uma explosão bibliográfica, como lhe chamava a revista " Psychologie”, no seu número de Dezembro último, sempre atenta aos vagidos do moribundo.
De facto, é impossível controlar esta crescente proliferação de " ciências humanas ". Quando não se pode convencer o estudioso pela razão, esmaga-se com toneladas de " exaustiva bibliografia ".
Centenas de títulos por mês, só em França ( pátria destas coissas cartesianas), dão a medida de outros tantos especialistas empenhados na beatífica tarefa de salvar o Sistema (deles), à custa de desvirtuarem todos os outros (múltiplos, variados) sistemas de mitos e valores que, através do tempo e do espaço, primeiro acintosamente devastaram, depois acintosamente fingiram ignorar e por fim decidiram atacar pela porta sempre aberta nas "ciências experimentais ", mais tarde ditas humanas. Assim se põe na mesa de anatomia o que lograra escapar à chacina ocidental ou à sua aviltação.
Outra característica da ditadura chamada Sistema - não menos evidente e moralizante que a outra, a carcinogénea - é a chamada " pescadinha de rabo na boca ".
Quer dizer: O Sistema analisa. Tem espasmos consecutivos de análise. Goza a analisar. Mas, para analisar, a condição sine qua non é matar o bicho que pretende autopsiar. Para isso, coloca-o na mesa operatória e, depois de bem morto, começa o piedoso trabalho de autópsia.
As ciências humanas, que tanto se ufanam do título, são pois e sempre ciências necrófilas. E, além de necrófilas, uma petição de principio por definição. Matam primeiro a vida que pretendem conhecer, estudar, analisar.
E quem diz matar diz deportar, corromper, desfigurar. Primeiro as "ciências humanas" desenham um mito, um molde, uma imagem puramente fictícia e fantasmagórica nascida das suas ensandecidas cabecinhas. Depois vá de censurar esse fantasma como se de realidade se tratasse e por não ser realidade.
E, depois, vá de classificar de utopia toda a proposta que, apesar das deformações sofridas, se apresenta evidentemente de qualidade superior às triviais e concorrentes propostas do Sistema único.
Dado que as "ciências humanas " têm, por objecto de estudo, que se debruçar sobre sistemas de valores que lhes são alheios e a que o Sistema é hostil, o truque das abençoadas "ciências humanas" é - quando surge um sistema, uma civilização, um módulo ou uma comunidade cultural de evidente qualidade e superioridade à das cidades-cloacas, à das sociedades concentracionárias, cognominá-la de "infame utopia". Querem assim ou assado?
ASTROLOGIA NUNCA EXISTIU
Exemplo faiscante de esperteza manifestada pelos sábios de rabo na boca, é o da astrologia.
Astrologia é coisa que, em verdade, nunca existiu fora dos cérebros escandecidos dos catalogadores profissionais. Dos que levam a vidinha a espetar a borboleta na secretária e a fichá-la, cujo negócio é traçar taxinomias de seu uso, gosto e gozo.
Vai daí, pegam na astrologia que inventaram e estrafegam-na à vista das populações que a consomem porque lha deram a consumir nesse estado, para que se lhes ensine o mestrado justiceiro. As "ciências humanas" nunca guardam para amanhã o auto de fé que podem fazer hoje. Há que restabelecer a ordem.
Racionalistas de um lado, homens de fé pelo outro, sabemos o que tem sido a história do fantástico e, por extensão, da heresia imaginativa frente aos poderes constituídos. Sabemos muito bem quantas vezes se crucificou, crucifica e crucificará Galileu, em nome de razão, em nome da fé, em nome do Negócio.
Le Nouvel Observateur, hebdomadário de muita razão, muita fé e muito negócio, entrega a observação do fenómeno "astrologia" a uma bem apetrechada equipa de malfeitores, chamados sociólogos.
O resultado saiu há pouco em edição portuguesa com o titulo O Retorno dos Astrólogos.
Alguém definiu a sociologia como a « pescadinha de rabo na boca ". Outros, não gostando do plebeísmo, preferem a metáfora mais nobre: "a sociologia é a víbora que morde a sua própria cauda".
De qualquer modo, a sociologia é sempre negócio de caudas, alimentando-se, assim e portanto, dos próprios dejectos.
Relativamente aos sociologistas de Le Nouvel Observateur não se pode afirmar, com segurança, dado o curto comprimento da cauda, se se trata de pescadinha, se de víbora.
Talvez um intermediário híbrido. O que se pode afirmar é que as dentadas acertam todas na canela do parceiro, da qual canela eles se abastecem com fervor e unção.
Mas deixemos a metáfora e falemos em linguagem científica: a astrologia é vista, por este grupo de observadores novos, de todos os ângulos incluindo o de cima para baixo, apenas para que fique demonstrada a tese adrede preparada e mantida; só os pobres de espírito se dedicam à astrologia.
Os ricos como Le Nouvel já não precisam. Cultivam outras astrologias mais puras e eruditas.
Isto claro sem falhanços, depois de se ter dado da astrologia a minuciosa e única imagem que a sociologia pode dar, e que é o puro, exacto, rigoroso reflexo da sua própria pobreza de espírito e dos seus mesmíssimos excrementos.
Quer dizer; reduzindo esta e outras técnicas iniciáticas ao capítulo redentor das "ciências ocultas" (outro fantasma que só existe nas cabecinhas sociológicas), analisando fenómenos que se começa por deformar, desfigurar, corromper, que falta afinal para desferir sobre o fantasma o golpe de misericórdia?
Produto da sociedade que o consome (outra vez a pescadinha de rabo na boca) o psiquismo que se ocupa de horóscopos - concluem triunfalmente os estrábicos observadores de Le Nouvel - ou é de massas, ou burguês, ou de raiz culta mas ... idealista.
(source)
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